quarta-feira, 8 de maio de 2019

Revista Bioética 2019; 27 (1)

O mar de lama varreu a comunidade local e parte do centro administrativo e do refeitório (…) [A] sirene de alerta não tocou. O presidente da Vale diz que (…) não tocou (…) porque foi “engolfada” pela lama. [Mas] existe tecnologia para que alertas sonoros de emergência sejam acionados em qualquer circunstância. [Constatou-se depois que] ao menos duas sirenes (…) estão intactas. [Para piorar o quadro, a Agência Nacional de Mineração] não tem capacidade para fiscalizar as 740 barragens de mineração do país , [que] tem apenas 35 fiscais . [E] o risco é potencialmente mais alto se não houver fiscalização . [Além disso, segundo o Tribunal de Contas da União], o órgão federal de controle é o 2º mais exposto a fraudes e corrupção .
 [Como se não bastasse], deputados receberam doações de empresas, mas negam defender o setor, (…) [e a] bancada da lama barra ações para melhorar segurança em barragens. (…) Uma pequena tropa de deputados eleita para a legislatura passada com doações de mineradoras é bem atuante nos assuntos do setor: propõe mudanças em textos que já resultaram em retirada de fiscalização, ocupa cargos chave em comissões e influencia o que passa na Câmara . 
A sucessão de tragédias evitáveis que golpeou o Brasil nas últimas semanas criou um coro de cidadãos a exigir mais fiscalização. Não há dúvida de que a fiscalização é importante, fundamental em algumas áreas. Mas perdeu o juízo quem acha que basta pôr mais agentes nas ruas exigindo a obediência às normas técnicas para resolver nosso déficit de segurança. (…) Para uma sociedade dar certo, é preciso que as pessoas se convençam de que devemos agir respeitando padrões de segurança  
não porque corremos o risco de ser multados — “de acordo com o dever”, se é lícito empregar o vocabulário kantiano —, mas “pelo sentido do dever”, isto é, porque essa é a posição racional a seguir, aquela que atende a nossos reais interesses . 
Esse é o princípio para agir de maneira ética. A regra de ouro da bioética para promover a ética aplicada à vida cotidiana. É essa reflexão que a Revista Bioética busca estimular em seus leitores, colaborando para a educação cidadã.

Alguns artigos:

Revista Bioética 2018; 26 (2)

Estudar, pesquisar, discutir, falar e escrever sobre um tema dos mais importantes e que faz parte das nossas preocupações social e humana é desafio que deve ser enfrentado no âmbito mais apropriado: a bioética. Questões de deficiência e acessibilidade remetem aos direitos fundamentais da pessoa, à Constituição brasileira, à legislação vigente no país, ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a conceitos, teorias éticas e princípios de justiça como autonomia, equidade, exclusão social, moral, utilitarismo e vulnerabilidade, entre outras questões, discutidas por bioeticistas e filósofos, contemporâneos ou não.
O último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 3 , realizado em 2010, aponta que há 45,6 milhões de brasileiros com pelo menos um tipo de deficiência, sendo 32 milhões na faixa etária entre 15 e 64 anos, 6,7% com nível de instrução superior completo e 61% sem instrução ou com nível fundamental incompleto. Predominam nesse grupo a deficiência visual, motora e auditiva, respectivamente. Da população sem deficiência, 10,4% tem nível de instrução superior completo e 38% não tem instrução ou tem o fundamental incompleto.
Há, por exemplo, predomínio de mulheres negras com deficiência, observando-se, entretanto, nível de ocupação maior entre os homens com deficiência, repetindo a desigualdade entre homens e mulheres sem deficiência nas oportunidades de emprego, função e salário, o que poderia ser considerada desigualdade de gênero e cor, potencializada pela deficiência.
Não se pretende comparar os sistemas dos dois países, mas é provável que o SUS enfrente no momento muito mais dificuldades. Podemos facilmente imaginar o esforço do cidadão para ter acesso; a espera pelo atendimento, sem conforto ou segurança; a falta de condições mínimas para acolhimento, que inclui dignidade, equipe treinada e capacitada, exames e medicamentos disponíveis. Podemos também supor o que acontece quando pessoas com deficiência adoecem e procuram o sistema público de saúde no Brasil. Suas dificuldades serão maiores, apesar de a Lei 13.146/2015 2 garantir-lhes atendimento prioritário.
A partir desse projeto-piloto 14, o Conselho Federal de Medicina (CFM) instituiu protocolo no Sistema de Fiscalização Nacional, que abrange todos os conselhos regionais (CRM), visando possibilitar diagnóstico nacional. Outra preocupação é conhecer os profissionais da saúde com deficiência. Quantos são, quais os tipos de deficiência predominantes, qual sua origem, se a unidade em que exerce a profissão é adaptada, entre outras informações necessárias. O CFM oferece espaço para a inserção desses dados, no momento do registro ou recadastramento no CRM, há cerca de dois anos.
Fica a sugestão para a discussão nacional, que pode ser encampada em todas as áreas da saúde. Que se façam movimentos para ampliação de grupos de trabalho, comissões ou câmaras técnicas de bioética, para que se possa conhecer esses profissionais que cuidam da saúde da população. É fundamental ouvir suas dificuldades, conhecer suas necessidades, auxiliar os que precisam, amparando-os no exercício do seu ofício e contribuindo para sua integração ao ambiente de trabalho. Esse reconhecimento e estímulo irá beneficiar a população atendida nessas unidades, razão de ser dessas profissões e dessa ciência, estendendo o proveito aos estudantes que frequentam esse ambiente de aprendizado teórico-prático. Estaremos, assim, cumprindo nosso papel de cidadãos e guardiões da ética e da saúde da população.

Alguns artigos: 


Revista Bioética 2018; 26 (1)

Combate à violência contra crianças e adolescentes: desafio para a sociedade brasileira
A ideia de infância vem variando ao longo dos séculos e entre culturas. Conforme Narodowski, a infância é fenômeno histórico e não meramente natural, e, no Ocidente, suas características, precípuas podem ser classificadas como heteronomia, dependência e obediência ao adulto em troca de proteção. Essa perspectiva vai ao encontro da proposição de Philippe Ariès, para quem é preciso aceitar que a infância, tal qual é entendida hoje, resulta inexistente antes do século XVI. A afirmação de Ariès permite compreender que, no decurso da história e, inclusive, na pré-história, a ideia de criança ou concepção de infância não existia.
No Brasil, a percepção e o tratamento da criança durante o período colonial não foi muito diferente, pois a sociedade escravista reforçou sobremaneira a violência das relações. Del Priori relata que, no século XIX, 4% dos escravos levados ao comércio no mercado do Cais do Valongo, na então capital do país, Rio de Janeiro, eram crianças, das quais apenas a terça parte sobrevivia até os 10 anos. Muitas delas eram obrigadas a trabalhar a partir dos quatro anos de idade. De fato, até o final do século XIX o trabalho infantil continua sendo visto pelas camadas subalternas como "a melhor escola".
Atualmente, nossa perspectiva a respeito da infância se alterou de maneira radical. No século XX essa noção se consolidou universalmente, apoiada, inclusive, em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu item 2 assevera:  A maternidade e a infância tem direito  a ajuda e  a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social. Ao longo da década de 1960 e seguintes, diferentes documentos internacionais também registraram a necessidade de atender às necessidades de saúde, educacionais, físicas, intelectuais e emocionais de crianças e jovens.
Revisão sistemática publicada em 2016 mostra que no Brasil a negligência foi a forma de violência mais frequente, perfazendo cerca de dois terços do total de registros e predominando em crianças menores de 1 ano, sendo a violência física prevalente em crianças maiores. O provável autor da violência foi um familiar da criança em dois terços dos eventos, sendo a mulher a mais frequente contra menores de 1 ano e o homem contra crianças de 6 a 9 anos.
Esses números preocupantes indicam que o combate à violência em nossa sociedade é tarefa que ainda precisamos encarar. A violência contra a criança é a primeira manifestação de fenômeno generalizado que se abate contra adolescentes, jovens, idosos, portadores de deficiência, mulheres, povos indígenas, população negra, migrantes, pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros, entre outros, especialmente se pertencem também a segmentos sociais mais pobres. Essa marca intergeracional que transporta a violência para o futuro deve ser extirpada o quanto antes para que possamos almejar uma sociedade verdadeiramente autônoma e emancipada. Para isso, nunca é demais lembrar, é indispensável promover sempre a educação ampla, geral e irrestrita para todas as cidadãs e cidadãos brasileiros. Uma educação baseada na ética e na cidadania. Só assim se poderá alcançar justiça.

Alguns artigos:
Considerações médicas, éticas e jurídicas sobre decisões de fim de vida em pacientes pediátricos
Bioética no acolhimento a dependentes de drogas psicoativas em comunidades terapêuticas
Experiências, necessidades e expectativas de pessoas com diabetes mellitus
Processos judiciais para aquisição de bomba de insulina em Ribeirão Preto

Disponível em: Revista Bioética 2018; 26 (1)

História, Ciências, Saúde - Manguinhos 2018; 25 (4)

Por mucho tiempo los historiadores han trabajado con un supuesto  que pocas veces han revelado: comprender el pasado sirve para que las personas, las instituciones y los países tengan una visión a largo plazo sobre sus logros, sus problemas y sus posibilidades.
Según buena parte de los historiadores este desarrollo no es lineal sino complejo y con retrocesos desalentadores. Igualmente, estos historiadores nos sugierem que diversos actores contemporáneos en competencia tienen la capacidad de avanzar, resistir, sobrevivir y de reinventarse. Ahora, cuando la persistencia  es una prioridad para muchos en el Brasil, ya que el país está pasando por un momento crítico de su historia política, es cuando más necesitamos de los historiadores para que ayuden a afirmar la legitimidad de valores indispensables como: la relevancia de la ciencia y la salud pública, la pertinencia de la solidaridad expresada en programas sociales robustos, la necesaria lucha por la igualdad de géneros, lo imprescindible de un Estado laico y fuerte, la necesaria erradicación del autoritarismo, de la homofobia y de cualquier forma de discriminación y la importancia de adherir a objetivos multilaterales progresistas como los enunciados por la Organización de las Naciones Unidas (ONU).
También tendremos un debate de otros asuntos relacionados al quehacer de esta revista como el futuro de las ediciones de revistas científicas. Recientemente participamos en un evento caro al valor de la ciencia y la salud públicas: la Conferencia Scielo 20 Años, que se realizó en la ciudad de São Paulo a fines de septiembre. En este importante encuentro de editores y profesionales de periódicos científicos de la mayor red de revistas científicas brasileras y latinoamericanas se discutió el movimiento de la ciencia abierta (SánchezTarragó et al., 2016). Este es un movimiento mundial que aboga por el acceso universal, igualitario, gratuito y sin limitaciones a los resultados, las metodologías y los datos de las investigaciones. La ciencia abierta reconoce plenamente la autoría de los trabajos científicos, pero se opone al sistema de las editoras comerciales que mantienen revistas académicas cerradas donde el conocimiento se torna inaccesible para investigadores y universidades de países en desarrollo. Entre los temas discutidos en São Paulo destacaron: la transparencia y aceleración de los procesos editoriales, la publicación continua de los artículos en plataformas digitales y la adopción de la modalidad de preprints. Es importante explicar que los preprints son las versiones originales y preliminares de un trabajo de investigación, que no han sido sometidos a un proceso formal de revisión por pares, y que se depositan en un repositorio público de reconocido prestigio en el que reciben comentarios y un preciado DOI (Digital Object Identifier) que es diferente al DOI que se recibiría cuando se toma la decisión de su eventual publicación definitiva en una revista. Una de las ventajas de este sistema es una discusión más rápida y abierta de los avances de la investigación. Los editores de esta revista estamos plenamente de acuerdo con estos asuntos, y vamos a implementarlas en el próximo año.
En este número reunimos dos dosieres que tratan de temas medulares de la historia de la salud y la salud pública: la medicalización del parto y la salud y la mortalidad infantil. Ambos ofrecen perspectivas novedosas y complementarias para todos los interesados en el pasado y el presente de la salud pública.

Alguns artigos:
Medicalização da gestação e do parto nas páginas da revista Claudia, 1961-1990
A concorrência na arte de partejar na cidade do Rio de Janeiro entre 1835 e 1900
A “maternidade moderna” e a medicalização do parto nas páginas do Boletim da Legião Brasileira de Assistência, 1945-1964

Disponível em: História, Ciências, Saúde-Manguinhos 2018; 25 (4)