terça-feira, 30 de agosto de 2022

História, ciências, saúde - Manguinhos 2021; 28 (1)


 Novas instruções aos autores e o futuro do artigo científico em ciências humanas

 Há alguns anos escutei um sábio conselho de um destacado funcionário do SciELO: é saudável e necessário atualizar regularmente as instruções aos autores de revistas. Durante os últimos meses, nós da equipe editorial de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, junto com os editores adjuntos e de seção, dedicamo-nos a seguir esse conselho e elaboramos novas instruções, que anunciamos neste número. Estão agora mais claras e modernas, e significam um esforço na direção do movimento de ciência aberta, que é mais amplo que o de acesso aberto a documentos, já defendido por grande parte das revistas brasileiras há muitos anos (Santos, Guanaes, 2018). A redação de um artigo científico costuma ser considerada o momento final e exitoso de uma boa pesquisa, e muitas vezes um trabalho é submetido a uma revista sem estudo prévio das normas específicas da publicação. Isso é um erro. Há uma penúltima fase que deve ser seguida com rigor: a preparação do texto para publicação (a última é a resposta cuidadosa aos comentários dos avaliadores – que quase nunca aprovam a primeira versão de um trabalho – e o envio da versão definitiva). Nessa penúltima fase não se trata apenas de corrigir erros gramaticais e melhorar o estilo, completar tabelas estatísticas e referências bibliográficas ou apresentar imagens na qualidade solicitada. O objetivo é elaborar um texto que, em uma extensão limitada, seja claro, organizado e profundo na proposição e interpretação do problema (geralmente, um ou dois por artigo), que explique a metodologia utilizada, que não fique se repetindo em torno das evidências encontradas e que estabeleça um diálogo com outros pesquisadores (Cueto, 2011). Atender a esses requisitos faz com que o texto tenha as virtudes de praxe dos bons artigos de história, como apresentar os achados de modo que transcenda a descrição; tecer conexões entre contexto, instituições e personagens; e equilibrar processos de mudança e continuidade. Do parágrafo anterior, gostaria de repetir a frase “em uma extensão limitada”, porque um erro comum em algumas submissões é pensar que um artigo pode simplesmente ser um capítulo extraído de uma tese recém-defendida ou de um livro que está sendo escrito. Não é. Trata-se de algo diferente. Não apenas porque um capítulo tem uma extensão maior e mais referências que um artigo, mas também porque um artigo é, em certa medida, “autossuficiente”. Ou seja, deve estruturar em um único conjunto todos os elementos normalmente distribuídos em uma tese ou livro.

Outro conteúdo importante deste número é a apresentação de uma versão mais elaborada de textos divulgados em nossas redes sociais sobre o coronavírus na novíssima seção “Testemunhos covid-19”. Os textos, escritos praticamente apenas por historiadores da saúde, passaram por uma ou mais avaliações, recebendo críticas e comentários que permitiram a elaboração de uma versão mais completa, atualizada e com referências. Não podemos terminar sem os nossos cumprimentos à doutora Nísia Trindade Lima, professora da Casa Oswaldo Cruz, e sem manifestar nossa satisfação por ela ter sido, merecidamente, nomeada para cumprir um segundo mandato como presidente da Fiocruz. Feito esse que nos enche de esperança em tempos de incerteza e adversidade para a ciência e a sociedade brasileiras

Alguns artigos:

Medicina baseada em evidências: breve aporte histórico sobre marcos eventuais e objetivos práticos do cuidado

Mulheres visíveis: uma perspectiva diferente na história do Instituto de Medicina Tropical em Portugal, 1943-1966

Gripe española y coronavirus en Argentina: leer el pasado y entender el presente


Disponível em: História, ciências, saúde - Manguinhos 2021; 28 (1)

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

História, ciências, saúde - Manguinhos 2021; 28 (3)

 


A história das ciências no Brasil teve em Shozo Motoyama (1940-2021) um defensor contundente. Seu recente falecimento constitui razão para demonstrar o seu comprometimento constante com o fortalecimento da história das ciências como uma área de pesquisa e de produção de conhecimentos sobre o Brasil.

Filho de imigrantes japoneses, Shozo Motoyama ingressou na graduação em física em 1964, na Universidade de São Paulo (USP), num período de crises, em meio ao golpe militar, e de debates acalorados. Foi ainda um momento de transformação no ensino superior brasileiro, . Na pós-graduação, a criação do sistema nacional de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior demarcou reformas nos cursos existentes. Concomitantemente ocorriam na USP intensas discussões sobre a criação de institutos e o desmembramento da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, onde estavam inseridos os cursos de física, química, biologia, matemática, psicologia, juntamente com os cursos de humanidades, letras e educação. Ainda na antiga faculdade, estimulados pelo diretor Eurípedes Simões de Paula, os físicos formados, Shozo Motoyama, em 1967, e Maria Amélia Mascarenhas Dantes, em 1964, foram contratados para ministrar aulas de história das ciências junto ao Departamento de História, na subseção de Ciências, cadeira de História da Civilização Antiga e Medieval.

 Com o desmembramento da faculdade em 1968, e a criação dos respectivos institutos, departamentos e novas faculdades, ambos precisaram decidir entre a docência no Instituto de Física, do qual eram oriundos, e onde também atuavam, e no Departamento de História, na nova Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Shozo, assim como Maria Amélia, optaria pela transferência formal para o Departamento de História, onde ele também desenvolveu sua tese de doutoramento Galileu Galilei: um estudo sobre a lógica do desenvolvimento científico, criando, com outros, o Núcleo de História da Ciência e da Tecnologia. A defesa da tese já se daria no Programa de Pós-graduação em História Social, em 1971. A livre-docência na USP e o pós-doutorado em laboratórios de estudos sobre raios cósmicos das universidades japonesas University of Tokyo e Waseda University completaram a sua formação interdisciplinar. 

O conjunto dessas experiências permite reconhecer na produção escrita do professor Shozo Motoyama, em livros e artigos diversos, o vínculo entre as concepções sociopolíticas de busca da superação do subdesenvolvimento brasileiro, especialmente no contexto dos anos 1960 e 1970, em que o Brasil buscava, por meio do planejamento econômico, da cooperação internacional, do incentivo à ciência e à tecnologia, gerar aumento no número de empregos, ampliação das capacidades produtivas do país e, consequentemente, a esperada melhora na qualidade de vida nacional. Esse panorama geral, em conjunto com sua participação em um universo formal acadêmico também em modificação, apontou para uma vivência universitária marcada por estes dois parâmetros de atenção: pensar sobre o papel da ciência e da tecnologia tendo em vista o panorama sociopolítico do país e contribuir participando do ambiente institucional acadêmico. 

 A história das ciências no Brasil e sua historiografia seguem atualmente debates conceituais diversos, e algumas vezes muito divergentes. Quando, contudo, olhamos a história dessa produção a partir da percepção do entrelaçamento das convicções particulares com as causas coletivas, a enorme produção e a atuação empenhada do professor Shozo Motoyama ganham um valioso sentido.

Shozo Motoyama foi também fiel às suas raízes identitárias, atuando intensamente nas relações Brasil/Japão, como membro de centros de estudos, diretor do Museu Histórico da Imigração Japonesa, com livros sobre a história desses temas, assim como autor e organizador de livros sobre a história das ciências no Brasil. Tudo isso demonstrando sua dedicação à causa da universidade pública brasileira. 

Alguns artigos:

Sobre la llamada revolución psicofarmalógica: el descubrimiento de la clorpromazina y la gestión de la locura

Entre exiliados y nativos: la integración de saberes de españoles y mexicanos para el desarrollo de la neurología en México, 1935-1950

A construção histórica do conceito de enzima e sua abordagem em livros didáticos de biologia


Disponível em: História, ciências, saúde - Manguinhos 2021; 28 (3)