quarta-feira, 29 de junho de 2022

História, Ciências, Saúde - Manguinhos 2020; 27 (1)


 Levando em consideração a perspectiva de Fee e Brow, e sua ampliação ou renovação por Timmermann, podemos dizer que a história da saúde brasileira, diante da vigência de um sistema único de saúde, tem à frente objetivos e possibilidades ainda mais desafiadores e amplos. Para além de uma atividade que buscaria a compreensão e a avaliação de iniciativas e contextos no campo da saúde, uma renovada história teria como horizonte, também, a produção de subsídios ou orientações para as práticas profissionais a partir da compreensão de dinâmicas políticas, culturais e profissionais. 

Quatro aspectos, em nossa leitura, compõem tal perspectiva. Primeiro, a história da saúde nos permite ter uma noção contextual dos problemas da população brasileira e da estrutura sanitária; ambos, socialmente determinados, são resultados de contingências históricas específicas, devendo, portanto, ser compreendidos à luz das demandas e dos constrangimentos de toda ordem. Em segundo lugar, a história da saúde nos fornece elementos para fazer uma análise crítica que discuta as práticas dos profissionais de saúde não somente como atos técnicos, mas como ações orientadas por visões políticas, ideológicas, culturais, mas também pessoais e morais. Em terceiro, a história da saúde nos dá a dimensão temporal das políticas de saúde que falam sobre seu tempo, sobre a sociedade brasileira, suas características e seus desafios. E, em quarto lugar, mas não menos importante, a história, a partir de seus contingentes de atores, potencializa a criação e o reforço de identidades institucionais.

 Nessa perspectiva, portanto, a história da saúde pode ultrapassar os limites de um conhecimento puramente erudito ou abstrato, ela pode ser uma ferramenta analítica para a formulação e implementação de políticas públicas e para a construção e/ou o aperfeiçoamento de estratégias políticas e gerenciais adotadas. Pode também contribuir para que os diferentes profissionais, em suas ações diárias no âmbito dos serviços de saúde, reavaliem condutas e práticas já cristalizadas como hábitos na rotina dos serviços. 

A operacionalização da história como ferramenta, entretanto, demanda uma reflexão sobre a formação dos historiadores e historiadoras da saúde, principalmente no que diz respeito à sua aproximação de discussões, conceitos, referenciais e métodos do próprio campo da saúde. De modo análogo ao apelo de Thomas Kuhn (2011, p.151-156) para que os historiadores da ciência conhecessem a lógica própria de seus objetos, é necessária à pesquisa em história da saúde uma compreensão das pautas colocadas hoje pelo próprio campo da saúde, de modo a aproximar as reflexões feitas pelos historiadores das preocupações de profissionais, gestores, pesquisadores em saúde e dos próprios usuários. Tal esforço também pode ser um mecanismo para demarcar um lugar específico à história da saúde nesse espaço de fronteira entre uma historiografia mais geral e o campo da saúde.

Alguns artigos:

"Descansar e dormir sem riscos": o Jornal do Médico (Portugal) e o desastre da talidomida, 1960-1962*

A "luta contra a morte": os corpos, modernidade brasileira e uma história da velhice, São Paulo e Rio de Janeiro, década de 1930

La ética e la medicina social: la perspectiva de Michel Foucault


Disponível em: História, Ciências, Saúde - Manguinhos 2020; 27 (1)

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